24.8.08

No peito do Homem de Lata também bate um coração!

Bem, vamos mandando brasa, que Tony Stark tira onda! O ano é 1967, a edição é Capitão Z n. 0, um oferecimento dos Postos Shell e da EBAL - Editora Brasil-América Limitada. Nossa história abria com uma cena eletrizante em que o herói se via encurralado por alguns de seus maiores inimigos que se reuniram para lhe dar uma sova. Então, seguimos para a próxima página a espera de quê? Raios? Tiros? Explosões? Socos? Pontapés? Desaforos? Não, o que a gente se depara é com isto:



Hein? Será que eu troquei os gibis? Isso aqui é história de super-herói ou fotonovela romântica?

Detalhe 1: O narrador reconhece que isso não faz nenhum sentido e começa a história com um humilde e embaraçado "Pois é..."

Detalhe 2: "Temperamental" rimando com "nada é igual". Não parece letra da Jovem Guarda?

Bom, vamos ver que tipo de conclusões vamos tirar daqui...

Teste?! que teste?

Explosão?! que explosão?

E aí, leitor, tirou alguma conclusão? Imagine a juventude da época, que nunca tinha posto os olhos num gibi da marvel! Essa moça aí, pra quem ficou babando com a elegância e eficiência de Gwyneth Paltrow no filme, é a própria Pepper Potts, a secretária pessoal de Tony Stark, a qual, supostamente, ele ainda não comeu.

Pausa para a fala de Jack Palance: - Acredite... se quiser...

Enfim, esta é Pepper Potts, no Brasil, "Pimentinha", que, além de adequada tradução, na época devia ser um apelido muito comum. Mas aqui ela é um pouco diferente do filme. Costuma ser meio insolente com o chefe e mau humorada com o público, acho que vem daí o apelido. Além disso, ela não sabe que Tony Stark é o Homem de Ferro e pensa que o segundo é o guarda-costas do primeiro.

Aqui cabe uma digressão interessante. É compreensível que super-heróis tenham identidades secretas para conseguirem viver uma vida pessoal desvinculada da turbulenta vida de aventuras que vivem quando mascarados. Mas qual o sentido de você se passar pelo seu próprio guarda-costas? Que espécie de guarda-costas é este que só aparece quando o patrão desaparece? "Pronto, Sr. Stark, estou aqui para protegê-lo, ops, ele sumiu! Bom, já que não tenho costas para guardar, vou dar uns sopapos neste tal de Mandarin."

Bom, tiremos nossas conclusões. Quem é Felisberto? É o chofer de Tony Stark, no original, "Happy Hogan", ex-boxeador e sujeito de cara fechada mas bom coração. Ora, mas Tony Stark prefere, obviamente, andar por aí voando na sua armadura. Que serventia pode ter um chofer para ele? Exatamente, nenhuma. Este é um dos dramas de Felisberto, recebe para não fazer nada e passa o dia na sala de espera de Stark paquerando a secretária Pimentinha, que não dá bola nenhuma pra ele e o trata mesmo com muito desprezo e crueldade, pois é caidinha pelo chefe. Os galanteios incansáveis de Happy Hogan e os foras inclementes de Pepper Potts eram a grande atração das histórias do Homem de Ferro. Para quem estivesse inteirado deste triângulo amoroso, o primeiro quadro desta história poderia até surpreender, mas pro leitor brasileiro, parece que o cara é o grande amor da vida dela...

E o teste? e a explosão? Não faço idéia. Só o que dá pra perceber é que sem o Felisberto para esculachar, Pimentinha vai voltar todo o seu mau humor pra cima do Homem de Ferro. Olha só:



Também, com uma megera reclamando que nem essa aí, Stark, não tem como não ficar fraco. A maletinha esquentou tanto o tímpano de ferro do nosso herói, que o levou à exaustão.

Mas o Homem de Ferro não está fazendo metáfora aqui. Ele tem mesmo que recarregar as baterias do marcapasso que mantém o coração dele batendo. É que nem no filme, mas a treconologia aqui é mais pra "várvula" e pro "transistore".

Mas não sem antes ouvir mais uns desaforos da Pimentinha:



Rapaz, que fio desencapado eletrocutou esta mulher?! Olha isso, botou um vingador membro fundador para correr!

Enquanto isto, Felisberto, desiludido com seu emprego de auxiliar de assistente e com o romance entre tapas e beijos com Pimentinha, resolve deixar o sonho dourado da América:



Mas a verdade é que até o Homem de Ferro está sentindo falta do sparring da sua secretária:

É verdade, Homem de Ferro, é isso ou é você que vai ter que aguentar aquela mal-comida que está bufando lá na sala de espera...

Puxa, que dramalhão! Podia bem entrar uma música do Roberto Carlos, daquelas bem lamuriosas. Afinal, quando é a que a gente vai ver um pouquinho de ação nesse história? Ha, já é hora de sermos apresentados ao "vilãe" da nossa história!



Enfim, essas são as mãos do tal "Visionário", antigo Conde Nefarius, ex-chefe da MAGIA e ex-rico. Este sujeito só pode ser muito do mesquinho pra queimar toda uma fortuna em vingança ao invés de aproveitar a vida. Que será que esta máquina dele faz?



ha, tá, é uma espécie de video-game que faz as vezes de boneco de vodu... Vou te contar, que vilão mais sedentário, este aí. E ainda desmonta posto de trabalho pra pôr máquina no lugar de trabalhador. Que salafrário! Mas vamos ver se funciona.



Tá, eu não falei do Unicórnio pois ele não aparecia na página de abertura. Sério, não tem muito o que falar sobre ele, é um cara que tem um chifre na testa que dispara raios. Qualquer Zé Ruela no Universo Marvel pode disparar raios, mas esse teve que ostentar um corno no meio da testa para tanto. Patético. O outro é o Dínamo Escarlate, a quem o leitor mal é apresentado e já fica sabendo que ele está morto. Pois é, eu não falei que este cara tinha morrido. Deve ser porque ele foi só primeiro de DOZE Dínamos Escarlates que se lhe seguiram, mais oito e eles batiam a linhagem do Fantasma, que tem mais de 400 anos! O Dr. Vanko morreu disparando uma pistola laser com defeito que explodiu na cara dele (parece pastelão mas é sério... ou melhor, não é não), só pra salvar o Homem de Ferro que estava levando uma surra até a morte por um espião russo que trajava a armadura do Dínamo Escarlate (que, afinal, tinha suas qualidades técnicas, pelo visto). Mas voltemos ao combate presente, que, por sinal, não vai render muito, ao que parece, o Visionário está só fazendo um Test Drive no seu brinquedo novo.



Agora vocês vejam o nível de alcoolismo deste cara. Acostumado a viver embriagado e pegando no sono para curar suas bebedeiras, Stark não mostra nenhum estranhamento em ser lançado num delírio surreal de uma hora para outra. Por aí você imagina as ressacas com que este cara está habituado.

Mas bem, recarregado, nosso herói deixa seus inimigos imaginários e vai enfrentar uma verdadeira ameaça: um segundo round com Pimentinha:



Que novela... a garota em lágrimas, o galã tachado de "frio e indiferente", sofrendo internamente a dor de um segredo que não pode revelar e a descoberta fatal de que a mulher que ama está apaixonada pelo seu melhor amigo! Tudo que resta a Stark agora é sair em desarvorada decolagem para salvar o amor de Pimentinha e Felisberto (entra a música ao fundo para o próximo quadro: "Se a vida inteira você esperou um grande amor/ e de triste até chorou sem esperanças de encontrar alguém/ fique sabendo que eu também andei sozinho/ e sem ninguém pra mim não tive a quem entregar o meu carinho...")



Afe! Me dá uma colher de soro caseiro aí, que assim eu me desidrato de tanto chorar!

Até a morte, Toninho Stark? É mesmo? e o que você me diz disso aqui?



e isso?



Ou quem sabe esta moça aqui?


Entediado, Stark? Vamos passar para as Femme Fatales então. Que tal esta aqui com uma garrafa de vodka?



Ou esta aqui com um Sassicaia safra 1968?


E lá na Mansão dos Vingadores, Tony "Fura Olho" Stark, o que você anda fazendo? O seu amigo Dr. Pym sabe que você andou saindo com esta pequena aqui sem dizer a ela que era o Homem de Ferro?


E pra finalizar, que tal este colosso de supermulher com superforça, poder de vôo e que também, como você, gosta de enxugar umas garrafas? Ou você acha que alguém engoliu este papinho de padrinho do AA?


Sentiu o peso do material? Não? Tem problema não, ela dá uma desfiladinha:


Vou te contar, só quem não conhece é que compra este Toninho Stark Malvadeza...

E depois desse leilão de mulher boa na biografia do nosso herói, o resto da história vai ficar para uma próxima mesmo. Conseguirá o perigote das mulheres convencer seu amigo Felisberto a trocar um pais onde Guinness é vendida a preços acessíveis para voltar ao namoro de urso com Pimentinha? E o Conde Nefárius? Conseguirá passar de fase no World of Warcraft ou continuará invernizando a vida de nosso herói? E Pimentinha? Estará de TPM ou é assim o tempo todo mesmo? Saiba no próximo capítulo. Até lá, vocês ficam com o agente da U.N.C.L.E., que também é chegado num rabo de saia, ao som de um recado certo para ele e Tony Stark: "Chick Habit" por April March. Essa garota é papo firme!


1.8.08

Homem de Ferro troca o óleo nos Postos Shell

Meus nobres, retorno de longa data sem pronunciamentos relevantes e depois de uma ou duas considerações duramente criticadas pela estágiária, o que mostra que o Blog sofre uma crise de governabilidade. Sei que venho com muito atraso e todo mundo está de olho mesmo é no filme do Batman, que só faltou ter mulher bonita. Mas antes à tarde do que nunca, como diz o outro. Fato é que o astro do ano é o Homem de Ferro, que deixou os nerds de mais trinta anos alvoroçados nos cinemas de todo o Ocidente pois, pela primeira vez na história das adaptações de quadrinhos de heróis para o cinema, alguém pensou o óbvio: que tudo que a gente quer é ver estes caras aparecendo nas histórias uns dos outros. Acho que a coisa promete, principalmente se tivermos um filme dos Vingadores com Hank Pym sentando a lenha na esposa, Tony Stark e Miss Marvel enchendo o pote e o Capitão América ficando com longas e melancólicas falas sobre o fim do sonho americano e sobre dificuldade em se encontrar uma boa torta de maçã neste mundo contemporâneo onde um patriota não encontra mais o seu lugar. Bem, voltemos à vaca fria. Eis aqui, em homenagem à menina dos olhos dos Estúdios Marvel, um post todinho para o gladiador dourado, o Homem de Ferro. E a nossa atração de hoje é, como manda nossa etiqueta, mais um clássico: a primeira história do nosso herói publicada no Brasil!

Então vamos tratar aqui do maior super-herói anticomunista da história. Era década de 60, auge da Guerra Fria, nosso herói é um playboyzinho rico, gosta de entornar uns destilados, um mulherengo de marca maior e ficou rico vendendo armas. Ora, mas não se apresse em julgá-lo tão rápido. Quando envergava sua armadura vermelha e dourada, nosso herói defendia o mundo da livre iniciativa contra as ameaças que vinham de trás da cortina de ferro, inclusive uma espiã russa femme fatale e um chinês munido de nada mais nada menos que dez perigosíssimos anéis. Rapaz, se eu tivesse que usar dez anéis, com certeza eu desertava para o Ocidente, é muita cafonisse!

Ha, sim! O leitor deve estar estranhando, se está pensando no Homem de Ferro que se lê atualmente. Não difere tanto do de hoje em dia, tirando a fichinha do AA e a política do controle social no lugar da paranóia anticomunista. Fato é que o Homem de Ferro de antigamente era muito mais interessante, levando na maleta de executivo uma armadura movida a transístores e que passava pelos detectores de metais de todos os aeroportos do mundo. Senão, vejam só:





Isso é que é super-herói prafrentex, em sintonia direta com o Milagre Brasileiro porvindouro! Nada mais adequado que chegar ao Brasil, juntamente com os outros heróis marvel, distribuído gratuitamente em parceria bastante previsível nos postos Shell, que é multinacional centroavante do modelo automotivável de desenvolvimento que Stark representava tão bem.



E a parceria não podia ser outra, não é? Mas trata-se de um engodo comum à época, na verdade o gibi em exame continha duas histórias solos de cada um dos personagens. A história do Capitão América tem até seus atrativos (vou dar uma palhinha apenas: Se passa na Segunda Guerra, o Caveira Vermelha consegue hipnotizar o Capitão e fazê-lo trabalhar para o eixo, e leva seu mais novo subalterno para uma entrevista com o seu amado Führer. Hitler toma um susto quando vê o Capitão América em carne, osso e estrelas ali bem no seu gabinete e vai se esconder embaixo da mesa, é muito pastelão, faça-me o favor... =P).

A história que vamos ver é a primeira publicada do latinha no Brasil, recém lançada em fac-simile pela panini. Porque, já que temos nas livrarias o "Biblioteca Histórica Marvel" com as histórias originais e coloridas do cachaceiro dourado? Porque o fac-símile preto e branco demora menos pra ser escaneado e também porque naquele tempo as editoras tinha o hábito feliz de mudarem quase que por completo o texto da história na tradução, ou nem mesmo perderem tempo fazendo tradução nenhuma. Não duvido que muita história da Marvel foi reescrita no Brasil pelo estagiário ou pelo contínuo. Quer dizer, amigos leitores, que o que vamos ver aqui é uma história completamente diferente daquela que os americanos leram na época, possivelmente até melhor, se o contínuo não entendesse lhufas de super-herói.

Então comecemos. Abrem-se as cortinas do maior espetáculo da terra: a página de abertura nos mostra um quadro de terror que desperta no leitor as mais vívidas aflições pelo bem estar do mundo livre! O campeão do Vale do Silício encurralado por seus maiores inimigos que são...



"E por falar em saudade, onde andam os vilães..." Opa, que "vilães"? A gente ainda não conhece eles pra perguntar por onde andam! Bem, eu com meus trinta e três anos de gibis empilhados até sei quem são alguns destes caras, mas o leitor da época, ora sendo iniciado ns histórias do personagem, não devia fazer outra idéia que não fosse "ha, bem, estes são os caras maus. Ok, foi pra isso que eu comprei o gibi, pra ver o Homem de Ferro brigar com caras maus". Então, não sei bem qual era o suspense que se supunha despertar no leitor. O mais interessante é a advertência de que se estava apresentando um novo personagem, no caso, o tal Visionário. Ora, todos os outros, inclusive o protagonista da história, estavam sendo apresentados, tudo era novidade. Enfim, dá pra ver a consideração da editora: a primeira história do homem de ferro publicada no Brasil não é a primeira história do homem de ferro e o leitor já pega o bonde andando. A verdade é que ninguém por aqui ligava pra ordem destas histórias, pelo menos até a década de 80. Acho que o estagiário ou o contínuo perguntava "mas esta história se passa antes da que a gente publicou no mês passado", o editor respondia "fôda-se! essa molecada mal sabe ler, eles só querem mesmo é ver as figuras!". Ok, em grande parte, era verdade...

Então, vamos dar uma reconhecida aí nos "Vilães". Pulemos o "Visionário", que ele vai ser nossa atração principal. Da esquerda para a direita: Jack Frost, um ex-cientista que trabalhava para Stark e que descobriu que as pessoas poderiam viver eternamente se ficassem congeladas bonitinhas num bloco de gelo; Dínamo Escarlate, um tipo de Homem de Ferro soviético que desertou para o ocidente depois que descobriu os prazeres de consumo do mundo livre; lá no fundo, bem pequeno, montado num cavalo alado, tá vendo?, então, é o segundo Cavaleiro Negro (o primeiro foi um herói dos tempos do Rei Arthur, este é o seu descendente que quer mais é adiantar o seu pirão primeiro, e tem ainda um terceiro que é sobrinho do segundo e que topou essa de ser herói); o Derretedor (parece ridículo mas é isto mesmo, no original, The Melter), um industrial que perdeu uma licitação para o Stark e descobriu um raio que derrete ferro que se adequou de modo absolutamente óbvio aos seus anseios de vingança; finalmente, Gigantus (que no original tinha um nome mais literário, Gargantus) e esse é difícil de explicar, vamos dizer que é um gigante com pinta de homem das cavernas que pode hipnotizar toda a população de uma cidade e que na verdade não passa de um robô operado por alienígenas que estão num disco voador escondido atrás das nuvens enquanto tudo se passa (o que acabo de relatar é a segunda história do Homem de Ferro e concordo que é um dos maiores absurdos que já se viu caber numa só frase).

O Dínamo Escarlate é um caso ainda mais notável. A história da deserção dele é tão peculiar que vou ter que abrir esta digressão. Como eu disse, é um russo com armadura, mandado por Krushov para vencer o Homem de Ferro e humilhar a tecnologia do capitalismo. Claro, que a armadura de Stark, produto de uma livre economia de mercado que recompensa a pesquisa em tecnologia com a perspectiva do lucro, é óbvio que a armadura de Stark é muito melhor e o Homem de Ferro dá uma surra no Dínamo Escarlate. Porém, no clímax da briga, temos um acontecimento especialmente dramático:



Ho, que insidiosa traição! Então é assim que os comunas tratam os seus heróis?! Será esta a recompensa que todo o marxista pode esperar dos seus governantes totalitários?

Opa, mas peraí, parece que ainda não acabou. Claro que nosso amigo russo vai ficar indignado com essa revelação e aderir à democracia e à livre iniciativa, mas... será que foi isso mesmo?


Os comunistas são traiçoeiros, Stark?! Pelamor...

Bom, o post já se alonga, prosseguimos na próxima, que quero crer não tardará. Até lá, mostre que você é lenha pura! Pegue o seu carango, chame seu broto, passe num posto Shell, ou Esso (There's a Tiger no Chassis!), e mostre que este é um país que vai pra frente!