1.8.08

Homem de Ferro troca o óleo nos Postos Shell

Meus nobres, retorno de longa data sem pronunciamentos relevantes e depois de uma ou duas considerações duramente criticadas pela estágiária, o que mostra que o Blog sofre uma crise de governabilidade. Sei que venho com muito atraso e todo mundo está de olho mesmo é no filme do Batman, que só faltou ter mulher bonita. Mas antes à tarde do que nunca, como diz o outro. Fato é que o astro do ano é o Homem de Ferro, que deixou os nerds de mais trinta anos alvoroçados nos cinemas de todo o Ocidente pois, pela primeira vez na história das adaptações de quadrinhos de heróis para o cinema, alguém pensou o óbvio: que tudo que a gente quer é ver estes caras aparecendo nas histórias uns dos outros. Acho que a coisa promete, principalmente se tivermos um filme dos Vingadores com Hank Pym sentando a lenha na esposa, Tony Stark e Miss Marvel enchendo o pote e o Capitão América ficando com longas e melancólicas falas sobre o fim do sonho americano e sobre dificuldade em se encontrar uma boa torta de maçã neste mundo contemporâneo onde um patriota não encontra mais o seu lugar. Bem, voltemos à vaca fria. Eis aqui, em homenagem à menina dos olhos dos Estúdios Marvel, um post todinho para o gladiador dourado, o Homem de Ferro. E a nossa atração de hoje é, como manda nossa etiqueta, mais um clássico: a primeira história do nosso herói publicada no Brasil!

Então vamos tratar aqui do maior super-herói anticomunista da história. Era década de 60, auge da Guerra Fria, nosso herói é um playboyzinho rico, gosta de entornar uns destilados, um mulherengo de marca maior e ficou rico vendendo armas. Ora, mas não se apresse em julgá-lo tão rápido. Quando envergava sua armadura vermelha e dourada, nosso herói defendia o mundo da livre iniciativa contra as ameaças que vinham de trás da cortina de ferro, inclusive uma espiã russa femme fatale e um chinês munido de nada mais nada menos que dez perigosíssimos anéis. Rapaz, se eu tivesse que usar dez anéis, com certeza eu desertava para o Ocidente, é muita cafonisse!

Ha, sim! O leitor deve estar estranhando, se está pensando no Homem de Ferro que se lê atualmente. Não difere tanto do de hoje em dia, tirando a fichinha do AA e a política do controle social no lugar da paranóia anticomunista. Fato é que o Homem de Ferro de antigamente era muito mais interessante, levando na maleta de executivo uma armadura movida a transístores e que passava pelos detectores de metais de todos os aeroportos do mundo. Senão, vejam só:





Isso é que é super-herói prafrentex, em sintonia direta com o Milagre Brasileiro porvindouro! Nada mais adequado que chegar ao Brasil, juntamente com os outros heróis marvel, distribuído gratuitamente em parceria bastante previsível nos postos Shell, que é multinacional centroavante do modelo automotivável de desenvolvimento que Stark representava tão bem.



E a parceria não podia ser outra, não é? Mas trata-se de um engodo comum à época, na verdade o gibi em exame continha duas histórias solos de cada um dos personagens. A história do Capitão América tem até seus atrativos (vou dar uma palhinha apenas: Se passa na Segunda Guerra, o Caveira Vermelha consegue hipnotizar o Capitão e fazê-lo trabalhar para o eixo, e leva seu mais novo subalterno para uma entrevista com o seu amado Führer. Hitler toma um susto quando vê o Capitão América em carne, osso e estrelas ali bem no seu gabinete e vai se esconder embaixo da mesa, é muito pastelão, faça-me o favor... =P).

A história que vamos ver é a primeira publicada do latinha no Brasil, recém lançada em fac-simile pela panini. Porque, já que temos nas livrarias o "Biblioteca Histórica Marvel" com as histórias originais e coloridas do cachaceiro dourado? Porque o fac-símile preto e branco demora menos pra ser escaneado e também porque naquele tempo as editoras tinha o hábito feliz de mudarem quase que por completo o texto da história na tradução, ou nem mesmo perderem tempo fazendo tradução nenhuma. Não duvido que muita história da Marvel foi reescrita no Brasil pelo estagiário ou pelo contínuo. Quer dizer, amigos leitores, que o que vamos ver aqui é uma história completamente diferente daquela que os americanos leram na época, possivelmente até melhor, se o contínuo não entendesse lhufas de super-herói.

Então comecemos. Abrem-se as cortinas do maior espetáculo da terra: a página de abertura nos mostra um quadro de terror que desperta no leitor as mais vívidas aflições pelo bem estar do mundo livre! O campeão do Vale do Silício encurralado por seus maiores inimigos que são...



"E por falar em saudade, onde andam os vilães..." Opa, que "vilães"? A gente ainda não conhece eles pra perguntar por onde andam! Bem, eu com meus trinta e três anos de gibis empilhados até sei quem são alguns destes caras, mas o leitor da época, ora sendo iniciado ns histórias do personagem, não devia fazer outra idéia que não fosse "ha, bem, estes são os caras maus. Ok, foi pra isso que eu comprei o gibi, pra ver o Homem de Ferro brigar com caras maus". Então, não sei bem qual era o suspense que se supunha despertar no leitor. O mais interessante é a advertência de que se estava apresentando um novo personagem, no caso, o tal Visionário. Ora, todos os outros, inclusive o protagonista da história, estavam sendo apresentados, tudo era novidade. Enfim, dá pra ver a consideração da editora: a primeira história do homem de ferro publicada no Brasil não é a primeira história do homem de ferro e o leitor já pega o bonde andando. A verdade é que ninguém por aqui ligava pra ordem destas histórias, pelo menos até a década de 80. Acho que o estagiário ou o contínuo perguntava "mas esta história se passa antes da que a gente publicou no mês passado", o editor respondia "fôda-se! essa molecada mal sabe ler, eles só querem mesmo é ver as figuras!". Ok, em grande parte, era verdade...

Então, vamos dar uma reconhecida aí nos "Vilães". Pulemos o "Visionário", que ele vai ser nossa atração principal. Da esquerda para a direita: Jack Frost, um ex-cientista que trabalhava para Stark e que descobriu que as pessoas poderiam viver eternamente se ficassem congeladas bonitinhas num bloco de gelo; Dínamo Escarlate, um tipo de Homem de Ferro soviético que desertou para o ocidente depois que descobriu os prazeres de consumo do mundo livre; lá no fundo, bem pequeno, montado num cavalo alado, tá vendo?, então, é o segundo Cavaleiro Negro (o primeiro foi um herói dos tempos do Rei Arthur, este é o seu descendente que quer mais é adiantar o seu pirão primeiro, e tem ainda um terceiro que é sobrinho do segundo e que topou essa de ser herói); o Derretedor (parece ridículo mas é isto mesmo, no original, The Melter), um industrial que perdeu uma licitação para o Stark e descobriu um raio que derrete ferro que se adequou de modo absolutamente óbvio aos seus anseios de vingança; finalmente, Gigantus (que no original tinha um nome mais literário, Gargantus) e esse é difícil de explicar, vamos dizer que é um gigante com pinta de homem das cavernas que pode hipnotizar toda a população de uma cidade e que na verdade não passa de um robô operado por alienígenas que estão num disco voador escondido atrás das nuvens enquanto tudo se passa (o que acabo de relatar é a segunda história do Homem de Ferro e concordo que é um dos maiores absurdos que já se viu caber numa só frase).

O Dínamo Escarlate é um caso ainda mais notável. A história da deserção dele é tão peculiar que vou ter que abrir esta digressão. Como eu disse, é um russo com armadura, mandado por Krushov para vencer o Homem de Ferro e humilhar a tecnologia do capitalismo. Claro, que a armadura de Stark, produto de uma livre economia de mercado que recompensa a pesquisa em tecnologia com a perspectiva do lucro, é óbvio que a armadura de Stark é muito melhor e o Homem de Ferro dá uma surra no Dínamo Escarlate. Porém, no clímax da briga, temos um acontecimento especialmente dramático:



Ho, que insidiosa traição! Então é assim que os comunas tratam os seus heróis?! Será esta a recompensa que todo o marxista pode esperar dos seus governantes totalitários?

Opa, mas peraí, parece que ainda não acabou. Claro que nosso amigo russo vai ficar indignado com essa revelação e aderir à democracia e à livre iniciativa, mas... será que foi isso mesmo?


Os comunistas são traiçoeiros, Stark?! Pelamor...

Bom, o post já se alonga, prosseguimos na próxima, que quero crer não tardará. Até lá, mostre que você é lenha pura! Pegue o seu carango, chame seu broto, passe num posto Shell, ou Esso (There's a Tiger no Chassis!), e mostre que este é um país que vai pra frente!

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